gosto muito do meu mundinho. ele é cheio de surpresas, palavras soltas e cores
misturadas. às vezes tem um céu azul, outras, tempestade. lá dentro cabem
sonhos de todos os tamanhos. mas não cabe muita gente. todas as pessoas que
estão dentro dele não estão por acaso. são necessárias.
— não, Capitu. nunca foi.
— então por que essa divindade nos dá golpes tão fortes de realidade e parte
nossos sonhos?
— divindade não destrói sonhos, capitu. somos nós que ficamos esperando, ao
invés de fazer acontecer.
e esse pecado é roubar. qualquer outro é simplesmente
a variação do roubo. quando você mata um homem, está roubando uma vida, está
roubando da esposa o direito de ter um marido, roubando dos filhos o direito de
ter um pai. quando você mente, está roubando de alguém o direito de saber a
verdade. quando você trapaceia, está roubando o direito à justiça. entende? não
há ato mais infame que roubar.
as pessoas não param quietas
exibindo tudo que podem fazer. depois passam a confessar o que realmente
querem. a paixão é mentir tudo o que você não é. o amor é começar a
dizer a verdade.
e se eu tivesse
perguntado? e se ele tivesse me dito? se eu tivesse merecido saber? Isso me
atormentou por longo tempo. eu me sentia muito culpada. hoje, acredito que não
saber é o que torna a vida possível.
e as
circunstâncias nos levaram a dividir uma cama, pele com pele, olhos nos olhos,
boca a boca. não adianta, estamos presos em expectativas
sonhadoras, em alternativas de uma existência mais doce, numa ligação empática
que não se vê todo dia. é bobagem e perda de tempo fingir que não.
nada vale o tesouro de tantas recordações comuns, de tantos
momentos difíceis vividos juntos, tantas desavenças e reconciliações, tantas
emoções compartilhadas. não se reconstroem essas amizades. é inútil plantar um
carvalho na esperança de poder, em breve, se abrigar sob a sua sombra.
sempre tão espertos, inteligentes, cínicos,
piadistas, descolados, sexuais e livres. adoro tanto que me tornei uma cópia
quase idêntica, não fosse pelo meu útero carente e pelo meu decote que ainda
grita, pedindo que eu seja um pouco feminina. um pouco.