06 July 2010

Na escola Rudy fazia questão de procurar Liesel nos horários de recreio. Não se incomodava com o fato de os outros murmurarem sobre a burrice da nova menina. Esteve ao lado dela no começo e estaria a seu lado depois, quando a frustração de Liesel explodisse. Mas não ia fazê-lo de graça.

A ÚNICA COISA PIOR DO QUE UM MENINO QUE DETESTA A GENTE
Um menino que ama a gente.

- Cem metros – incitou-a – Aposto que você não consegue me ganhar.
Liesel não estava disposta a engolir nada daquilo.
- Aposto que eu consigo.
- Você aposta o quê? Tem algum dinheiro?
- É claro que não. Você tem?
- Não.
Mas Rudy teve uma idéia. Era o menino apaixonado vindo à tona.
- Se eu ganhar, eu beijo você.
Liesel ficou assustada, para dizer o mínimo.
- Para que você quer me beijar?
Ela pensou no assunto, enquanto examinava as pernas magricelas da oposição. Eram mais ou menos iguais às suas. Não tem jeito dele me vencer, pensou com seus botões. Balançou afirmativamente a cabeça, com ar grave. Aquilo era para valer.
- Você pode me dar um beijo se ganhar. Mas, se eu ganhar, deixo de ser goleira do time de futebol.
Rudy refletiu.
- Está valendo -, e os dois apertaram as mãos.
Tudo eram céus escuros e neblina, e começavam a cair umas gotinhas de chuva.
A pista era mais lamacenta do que parecia.
Os competidores se aprontaram.
Rudy jogaria uma pedra para cima, como se fosse o tiro da partida. Qundo ela batesse no chão, os dois poderiam começar a correr.
- Não consigo ver a linha de chegada – reclamou Liesel.
- E eu consigo?
A pedra afundou feito cunha na terra.
Os dois correram lado a lado, trocando cotoveladas e procurando ficar na frente. O chão escorregadio sugava seus pés e acabou por derrubá-los, talvez a uns vinte metro do final.
- Então, vamos considerar empate? – perguntou.
Rudy olhou-a, com seus dentes afiados e os olhos azuis botocudos. Metade de seu rosto estava pura lama.
- Se der empate, ainda ganho meu beijo?
- Nem num milhão de anos – disse Liesel, que se levantou e sacudiu um pouco de lama de suas roupas.
- Você deixa de ser goleira.
- Dane-se a sua goleira.
Enquanto voltavam para a rua Himmel, Rudy a advertiu:
- Um dia, Liesel, você vai morrer de vontade de me beijar.
Mas Liesel sabia. Jurou. Enquanto ela e Rudy Steiner vivessem, jamais o beijaria.
Himmel – céu.


a menina que roubava livros