05 July 2010

Os primeiros meses foram decididamente os mais difíceis. Toda noite Liesel tinha pesadelos.
O rosto do irmão.
De olhos fixos no chão.
Ela acordava nadando na cama, aos gritos, afogando-se no mar dos lençóis. Do outro lado do quarto, a cama que fora destinada a seu irmão flutuava nas trevas feito um barco. Aos poucos, com a chegada da consciência, parecia afundar até o chão. Essa visão não ajudava em nada e, em geral, passava-se um bom tempo antes de os gritos pararem.
Possivelmente, a única coisa boa advinda desses pesadelos era que eles traziam ao quarto Hans Hubermann, seu novo papai, para acalmá-la, acarinhá-la.
Ele ia todas as noites e se sentava com a menina. Nas primeiras duas vezes, só fez ficar com ela – um estranho para matar a solidão. Noites depois, sussurrou:
 - Psiu, eu estou aqui, está tudo bem.
Passadas três semanas, abraçou-a. A confiança se acumulava depressa, graças sobretudo à força bruta da delicadeza do homem, a seu estar ali. Desde o começo, a menina sabia que ele sempre apareceria no meio do grito e não iria embora.

UMA DEFINIÇÃO NÃO ENCONTRADA NO DICIONÁRIO
Não ir embora: ato de confiança e amor.

a menina que roubava livros